Pesquisar este blog

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Filosofia do Direito - Aula 3


Kelsen e o normativismo jurídico

*Preocupações metodológicas
“A primeira metade do século XX acentua as preocupações metodológicas já presentes no século anterior. O início do século é dominado por correntes que o levam às preocupações do pandectismo a seu máximo aperfeiçoamento – por exemplo, na obra de Kelsen – ou insistem numa concepção renovada do saber jurídico, ligando-o à realidade empírica. Como latente herança dos métodos dedutivos do jusnaturalismo, permeados pelo positivismo formalista do século XIX, podemos lembrar inicialmente algumas teorias jurídicas, sobretudo do Direito Privado, cujo empenho sistemático está presente em muitos dos manuais. O jurista aparece ai com o teórico do direito que procura uma ordenação dos fenômenos a partir de conceitos gerais obtidos, para uns, mediante processos de abstração lógica e, para outros, pelo conhecimento de institutos historicamente moldados e tradicionalmente mantidos” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. P, 81)
- A preocupação com o método para uma ciência aos moldes da ciência natural está presente nos estudos de inspiração comteana (de August Comte). Comte buscava estabelecer uma ciência em que o objeto da ciência pudesse ser definido, bem como o sujeito do conhecimento pudesse atuar sem influências de ideologias e valores.  Comte inaugura o “positivismo”, que não deve ser confundido com “positivação jurídica”, que significa que uma norma está posta pelo Estado.

Trecho: " III Direito e ciência
1. As normas jurídicas como objeto da ciência jurídica
Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou - por outras palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas. Pelo que respeita à questão de saber se as relações inter-humanas são objeto da ciência jurídica, importa dizer que elas também só são objeto de um conhecimento jurídico enquanto relações jurídicas, isto é, como relações que são constituídas através de normas jurídicas1. A ciência jurídica procura apreender o seu objeto “juridicamente”, isto é, do ponto de vista do Direito. Apreender algo juridicamente não pode, porém, significar senão apreender algo como Direito, o que quer dizer: como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através de uma norma jurídica2." (KELSEN, Teoria Pura do Direito, p.50) 


*Kelsen e a preocupação com a definição de Direito
- Kelsen teve a preocupação de definir o direito para fazer uma teoria do direito ou como ele mesmo diz: uma ciência do direito. O direito como ciência tinha de ter definido seu objeto. Kelsen buscou uma definição do direito aos moldes do que estava sendo feito com as ciências naturais à época.
-O direito é definido por Kelsen como norma que regula a conduta humana e que apresenta uma sanção. Essa sanção é estatal, ou seja, garantida pelo Estado, por isso é uma sanção forte, que pode ser exigida. 

Trecho: “O direito: uma ordem coativa. Uma outra característica comum às ordem sociais a que chamamos Direito é que elas são ordens coativas, no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas – particularmente contra condutas humanas indesejáveis – como um ato de coação, isto é com um mal- como a privação da vida, da saúde, da liberdade, de bens econômicos e outros -, um mal que é aplicado ao destinatário mesmo contra sua vontade, se necessário empregando até a força física – coativamente, portanto. Dizer-se que, com um ato coativo que funciona como sanção, se aplica um mal ao destinatário, significa que este ato é normalmente recebido pelo destinatário como um mal .   (...)    Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é, a circunstância que o ato estatuído pela ordem como sequencia de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante o emprego da força física, é o critério decisivo” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. P, 61 – 62)

- Kelsen entende que toda norma jurídica tem uma sanção, mesmo que esta não esteja presente na própria norma, mas em outra norma do ordenamento jurídico. Kelsen chama esta norma sem sanção aparente de norma jurídica não autônoma.
- Kelsen portanto, define o direito como norma jurídica dotada de sanção estatal

* Ordem escalonada de normas
- A ordem escalonada de normas é conhecida pela famosa imagem da pirâmide de normas de Kelsen.
-Kelsen buscou entender as normas em sua estrutura, indo além da questão do conteúdo das normas de um país. 
-A visão da estrutura do direito é entendida como dinâmica jurídica em Kelsen, em oposição a visão do estudo da norma, que é estática jurídica
- A ordem escalonada de normas aponta para uma hierarquia normativa, em que normas mais abstratas e universais estariam no topo da pirâmide e normas mais específicas e menos universais estariam na base. Um exemplo de normas nesses dois polos da pirâmide seriam as normas Constitucionais no topo e normas como as sentenças na base.
- A explicação de Kelsen foi levada para além da Filosofia do Direito, sendo utilizada hoje pelos constitucionalistas e está presente também no art. 59 da CF-88
- As normas da pirâmide se referem umas as outras. Por exemplo, a Constituição Federal garante a igualdade de todos perante a lei em seu art. 5 e normas abaixo dela, como normas que proíbem o racismo ou mesmo que buscam a igualdade por meio de cotas em emprego para deficiente, asseguram que essa igualdade seja cumprida.
- A ordem escalonada de normas também permite que normas sem sanção aparente sejam seguidas, uma vez que quem as garante é uma norma superior com sanção. A ordem escalonada também tem relação com a questão da validade das normas e com a norma fundamental. 

trecho: 2. Teoria jurídica estática e teoria jurídica dinâmica
Conforme o acento é posto sobre um ou sobre o outro elemento desta alternativa: as normas reguladoras da conduta humana ou a conduta humana regulada pelas normas, conforme o conhecimento é dirigido às normas jurídicas produzidas, a aplicar ou a observar por atos de conduta humana ou aos atos de produção, aplicação ou observância determinados por normas jurídicas, podemos distinguir uma teoria estática e uma teoria dinâmica do Direito3. A primeira tem por objeto o Direito como um sistema de normas em vigor, o Direito no seu momento estático; a outra tem por objeto o processo jurídico em que o Direito é produzido e aplicado, o Direito no seu movimento. Deve, no entanto, observar-se, a propósito, que este mesmo processo e, por sua vez, regulado pelo Direito. E, com efeito, uma característica muito significativa do Direito o ele regular a sua própria produção e aplicação. A produção das normas jurídicas gerais, isto é, o processo legislativo, é regulado pela Constituição, e as leis formais ou processuais, por seu turno, tomam à sua conta regular a aplicação das leis materiais pelos tribunais e autoridades administrativas. Por isso, os atos de produção e de aplicação (que, como veremos, também é ela própria produção)4 do Direito, que representam o processo jurídico, somente interessam ao conhecimento jurídico enquanto formam o conteúdo de normas jurídicas, enquanto são determinados por normas jurídicas. Desta forma, também a teoria dinâmica do Direito é dirigida a normas jurídicas, a saber, àquelas normas que regulam a produção e a aplicação do Direito." (Kelsen, Teoria Pura do Direito, p, 51)

trecho: " 2. A estrutura escalonada da ordem jurídica a) A Constituição
Já nas páginas precedentes por várias vezes se fez notar a particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se de forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda - em certa medida -o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora"  (Kelsen, Teoria Pura do Direito. p, 155)

*  A  norma hipotética fundamental
-A explicação de Kelsen de como se estrutura o conjunto de normas de um ordenamento jurídico depende da noção de norma fundamental ou também conhecida como “Grundnorm”
- Nos textos de Kelsen pode-se encontrar duas formulações para a norma fundamental: a) que ela existe e pode ser encontrada em um ordenamento jurídico; b) que ela seria uma hipótese, mais especificamente, uma hipótese de fechamento do sistema jurídico.
-Na primeira explicação, Kelsen entende que a norma fundamental pode ser encontrada nas formulações: Siga o que fala a Constituição, ou mesmo, siga as leis do Parlamento. Essa norma, portanto, não teria um conteúdo jurídico específico, mas apontaria para que se seguissem as normas jurídicas, em especial a norma que está no ápice da pirâmide.
-A segunda explicação de Kelsen, já aponta para uma necessidade de adequar o direito aos padrões da ciência. Alguns comentadores da obra de Kelsen entendem que nesse ponto há influência da obra de um lógico, Gödel, que desenvolveu o “teorema da incompletude”. Esse lógico falava que uma ciência não pode ser explicada por ela mesma, tendo que recorrer à outras ciências para ocorrer o fechamento

Nenhum comentário:

Postar um comentário