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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Filosofia do Direito - Aula 9



Interpretação em Hart

-direito entendido como uma “textura aberta”  (HART, O Conceito de Direito, p. 148)
-Hart entende que como uma frase de uma língua, o que está expresso nas regras não tem somente um significado, pois as palavras tem diversos significados e diversas possiblidades de interpretação. 

Texto; “Neste ponto, a linguagem geral dotada de autoridade em que a regra é expressa pode guiar apenas um modo incerto, tal como ocorre com um exemplo dotado de autoridade. O sentido em que a linguagem de regra nos permitirá simplesmente escolher casos de aplicação facilmente recognocíveis, esboroa-se neste ponto; a subsunção e a extração de uma conclusão silogística já não caracterizam o cerne do raciocínio implicado na determinação do que é a coisa concreta a fazer-se. Pelo contrário, a linguagem da regra parece agora só delimitar um exemplo dotado de autoridade, nomeadamente, o constituído pelo caso simples. Tal pode ser usado de forma bastante semelhante à do precedente, embora a linguagem da regra limite os aspectos que exigem atenção, não só de forma mais permanente, como de modo mais preciso do que faz o precedente. (...) No caso das regras jurídicas, os critérios de relevância e de proximidade da semelhança dependem de fatores muito complexos que atravessam o sistema jurídico e das finalidades ou intenção que possam ser atribuídos à regra. Caracterizá-los seria caracterizar tudo o que é específico ou peculiar no raciocínio jurídico. Seja qual for o processo escolhido, precedente ou legislação, para a comunicação de padrões de comportamento, estes, não obstante a facilidade com que atuam sobre a grande massa de casos correntes, revelar-se-ão como indeterminados em certo ponto em que a sua aplicação esteja em questão; possuirão aquilo que foi designado como textura aberta. Até aqui apresentamos tal, no caso da legislação como um aspecto geral da linguagem humana, a incerteza na linha de fronteira é o preço que deve ser pago pelo uso de determinados termos classificatórios gerais em qualquer forma de comuinicação que respeito a questões de fato. As línguas naturais como o inglês tem irredutivelmente uma textura aberta, quando usadas desse modo.” (Hart. O conceito de direito, p, 141)

- juiz tem atividade criadora, porque nem todos os casos estão nas leis. Há casos em que os legisladores não previram.

Texto: “É um aspecto da condição humana (e, por isso, da legislativa) que trabalhemos sob a influência de duas desvantagens ligadas, sempre que procuramos regular, de forma não ambígua e antecipadamente, alguma esfera da conduta por meio de padrões gerais a ser usados, sem diretiva oficial ulterior, em ocasiões particulares. A primeira desvantagem é a nossa relativa ignorância de fato, a segunda a nossa relativa indeterminação de finalidade. Se o mundo em que vivemos fosse caracterizado só por um número finito de aspectos e estes, conjuntamente com todos os modos por que se podiam combinar, fossem por nós conhecidos, então poderia estatuir-se antecipadamente para cada possibilidade. Poderíamos fazer regras cuja aplicação a casos concretos nunca implicasse uma outra escolha. Tudo poderia ser conhecido e, uma vez que poderia ser conhecido, poder-se-ia, relativamente a tudo, fazer algo e especificá-lo antecipadamente através de uma regra. Isto seria um mundo adequado a uma jurisprudência mecânica. Simplesmente este não é o nosso mundo; os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de circunstâncias que o futuro pode trazer. Esta incapacidade de antecipar acarreta consigo uma relativa indeterminação de finalidade” (Hart. O conceito de Direito, p, 141)

- Para diminuir essa indeterminação das regras, cria-se duas técnicas. A primeira delas consiste no poder legislativo determinar regras diretivas para a interpretação. A segunda técnica consiste em recorrer a juízos sobre o que é razoável, buscando o equilíbrio.

Texto: “A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso. Seja como for, a vida do direito traduz-se em larga medida na orientação, quer das autoridades, quer dos indivíduos privados, através de regras determinadas  que, diferentemente das aplicações de padrões variáveis, não exigem deles uma apreciação nova de caso para caso. Este fato saliente da vida social continua a ser verdadeiro, mesmo que possam surgir incertezas relativamente à aplicabilidade de qualquer regra (quer escrita, quer comunicada por precedente) a um caso concreto. Aqui, na franja das regras e no campo deixado em aberto pela teoria dos precedentes, os tribunais preenchem uma função criadora de regras que os organismo administrativos executam de forma centralizada na elaboração de padrões variáveis. Num sistema em que o stare decisis é firmemente reconhecido, esta função dos tribunais é muito semelhante ao exercício de poderes delegados de elaboração de regulamentos por um organismo administrativo. Em Inglaterra, este fato é muitas vezes obscurecido pelas aparências: porque os tribunais frequentemente negam qualquer função criadora desse tipo e insistem em que a tarefa apropriada da interpretação da lei e do uso do precedente é, respectivamente, procurar a “intenção do legislador” e o direito que já existe” ( Hart, O conceito de direito, p. 148-149)

*Direito e Moral
-  “na visão de Hart, a moral e a obrigação moral são, em sua base, conceitos sociais” (MackCormick. H.L.A.HART  ,p, 67)
- Para Hart, a moral é um outro tipo de regras, assim como o direito é um conjunto de regras. Direito e moral se encontram no mesmo patamar. Direito e Moral são regras sociais, são regras que são dadas pela linguagem.
- São essas regras e princípios (standards) que permitem que os homens vivam conjuntamente.  Esses standards compartilhados  são standards morais,e conjuntamente formam uma moral que é uma moral social. Hart trata de uma moral social e não de uma moral individual, por isso chama-se sua moral de “moral positiva”.
- Hart faz distinção entre “moral positiva” que é compartilhada por uma sociedade daquilo que entende como regras morais.
Texto: “Eu gostaria de recuperar a terminologia preferida pelos utilitaristas do século passado, que distinguiam “moral positiva”, a moral de fato aceita e compartilhada por um dado grupo social, dos princípios morais usados na crítica das instituições sociais reais que incluem a moral social. Podemos chamar tais princípios gerais de “moral crítica” (Hart. Direito, Liberdade, Moralidade. Apud: MackCormick. H.L.A.HART  ,p, 69)
-Moral crítica é formada tanto de princípios gerais, como os da moral positiva, quanto de princípios racionais. Esses princípios da razão remetem aos valores e ideais de uma sociedade. Para Hart, os valores não são demonstráveis racionalmente, mas também não são vontade arbitrária.
-Hart diferencia as regras e os princípios. Essa diferenciação é um dos pontos que Dworkin irá criticar na obra de Hart.

Texto: “ Em qualquer grande grupo, as regras gerais, os padrões e os princípios devem ser o principal instrumento de controle social, e não as diretivas particulares dadas separadamente a cada indivíduo. Se não fosse possível comunicar padrões gerais de conduta que multidões de indivíduos pudessem perceber, sem ulteriores diretivas, nada daquilo que agora reconhecemos como direito poderia existir. Daí resulta que o direito deva predominantemente, mas não de forma alguma exclusivamente, referir-se a categorias de pessoas, e a categorias de atos, coisas e circunstâncias, e o seu funcionamento com êxito sobre vastas áreas da vida social depende de uma capacidade largamente difundida de reconhecer atos, coisas e circunstâncias particulares como casos das classificações gerais que o direito faz.  Tem-se usado dois expedientes principais, à primeira vista muito diferentes um do outro, para a comunicação de tais padrões gerais de conduta. Um deles faz um uso máximo o outro faz um uso mínimo de palavras gerais a estabelecer classificações. O primeiro é exemplificado por aquilo a que chamamos legislação e o segundo pelo precedente. Podemos ver os aspectos que os distinguem nos exemplos de casos não-jurídicos que a seguir apresentamos. Um pai antes de ir à igreja diz ao filho: Todos os homens e os rapazes devem tirar o chapéu ao entrar numa igreja. Outro diz; descobrindo a cabeça quando entra na igreja: Olha, eis a forma correta de nos comportamos nestas ocasiões” (Hart, O conceito de Direito, p, 137)

*Hart e o Direito Natural
- Hart fala de um núcleo de verdade inquestionável nas doutrinas de direito natural: 1)vulnerabilidade humana, 2)igualdade aproximada, 3)recursos limitados, 4)altruísmo limitado, 5)entendimento limitado e força de vontade.

Texto:  “1)Vulnerabilidade humana. Por vulnerabilidade humana, Hart deseja chamar a atenção para o fato de que, em face das circunstâncias naturais em que nos encontramos, vivemos em situação de extremo risco. Estamos em risco devido ao meio ambiente, e também devido aos que nos cercam, que podem pretender nos prejudicar. Em termos gerais, não somos totalmente protegidos contra nosso meio ambiente, tanto social quanto naturalmente. Precisamos nos proteger, e o sistema jurídico é um dos mecanismo aos quais recorremos em busca de proteção.
2)Igualdade aproximada. Os seres humanos são aproximadamente iguais. Em outras palavras, ainda que algumas pessoas sejam mais dotadas do que outras, ainda que haja, por assim dizer, um espectro de realções humanas, este é relativamente estreito e então, em termos gerais, estamos igual e mutuamente em risco. Se assim não fosse, haveria uma série de grandes diferenças no modo como organizamos nossas vidas. Teríamos de pensar em nós próprios de um modo diferente daquele como nos percebemos. Se houvesse diferenças muito mais fortes entre os seres humanos, se pessoas muito fortes fossem ainda amis fortes e pessoas fracas ainda mais fracas, então poderíamos ter achado difícil justificar os tipos de elementos de controle que têm sido usados na sociedade a fim de aplainar nossas diferenças. Ao fim e ao cabo, poderíamos achar difícil persuadir os que são excessivamente fortes e aceitar as limitações que os sistemas jurídicos resolveriam impor a suas aptidões. Não obstante, precisamos ter consciência do fato de que elas podem ser inadequadas.
3)Recursos Limitados. Não há recursos suficientes para todos. Esse é mais um problema da escassez absoluta e de distribuição; existe um número limitado de recursos de um tipo particular, e competimos por eles; portanto, precisamos de mecanismos que assegurem que a concorrência não provoque reações que resultem em caos social. Na verdade, Hart está chamando a nossa atenção  para o fato de que precisamos de algum mecanismo especificamente devido a um fato natural sobre o mundo natural: o fato de que não temos livre acesso a tudo de que necessitamos porque os recursos são limitados. Segue-se dai que, em épocas e lugares nos quais determinados recursos não forem escassos, podemos esperar que uma análise diferente se aplique.
4)Altruísmo limitado. Há, aqui, dosi aspectos. (i) os seres humanos são, de fato altruístas. Em determinados lugares e ocasiões, eles tencionam agir mais no interesse dos outros do que no de si próprios. Precisamos levar isso em conta em diferentes esquemas de administração, mas (ii)também ter em mente o fato de que, muito embora os seres humanos sejam altruístas, eles assim se comportam de modo muito irregular. Não podemos contar com pessoas que agem o tempo todo em função do bem-estar de seu semelhante. Mais importante ainda, não podemos nos esquecer de que o motivo de elas agirem de modo altruísta encontra-se muitas vezes no fato de esperarem que, se agirem bem com os touros eles irão retribuir com a mesma moeda. Assim, embora pudéssemos ter alguma expectativa de que os seres humanos se comportem bem entre si, precisamos levar em consideração a aplicação irregular desse truísmo.
5)Limite de entendimento e força de vontade. Isso significa, na verdade, que nem sempre sabemos o que é bom para nós. Em outras palavras, nem sempre sabemos que devemos fazer em atendimento aos nossos próprios interesses. Além do mais, mesmo quando compreendemos nossos melhores interesses, podemos não estar em condições de fazer o que é preciso”  (MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo, p, 447-448)

-um sistema que não observasse esse núcleo, para Hart, dificilmente seria identificado como um sistema jurídico.
-nada garante que seguindo esses núcleos haja justiça.
- Os núcleos de verdade inquestionável funcionam como premissas para Hart explicar sua teoria do direito.  Premissas significam a proposição, as informações essenciais que servem de base para um raciocínio.

Filosofia do Direito - Aula 8



*O conceito de Direito para além da sanção
-Hart diferente de muitos dos jusfilósofos e juristas acredita que o direito não pode ser definido pela sanção, nem tem como principal elemento a sanção. Isso o torna diferente de Austin e também de Kelsen, que focavam suas definições  de direito na sanção.
Texto: “É obvio que a previsibilidade do castigo é um aspecto importante das regras jurídicas; mas não é impossível aceitar isto como uma descrição exaustiva do que se quer dizer com a afirmação de que uma regra social existe ou do elemento ‘ter de’ ou ‘ter o dever de’ abrangido nas regras. Há muitas outras objeções conta esta descrição em termos de previsibilidade (....) O aspecto de previsibilidade da regra (embora suficientemente real) é irrelevante para os seus objetivos, enquanto que o respectivo estatuto como guia e justificação é essencial” (Hart, O conceito de Direito, p, 15)
-Hart entende que as pessoas não acatam o que está escrito nas normas pela sanção presente nelas, mas porque entendem que o que está nas normas é algo bom socialmente. A sociedade respeita as normas não por sanção, mas porque acreditam que as normas são boas.
- Hart procura uma diferenciação de seguir as normas por hábito, ou como fala Austin, hábito geral de obediência. Para Hart, as pessoas seguem as normas porque há regras sociais que as pessoas aprendem e, que não se confundem com as normas jurídicas. Hart entende que essas regras sociais não são um hábito, por que:  são conhecidas por todos e não apenas por alguns da sociedade;  a violação de uma regra social não é a mesma coisa que essa regra não está sendo mais utilizada pelo hábito; há um aspecto interno nas regras sociais que não há no hábito, assim como há um aspecto interno nas regras dos jogadores de xadrez (ver p. 64 e 65)

*Direito- regras primárias e secundárias
-Direito pode ser definido por Hart como uma união de regras primárias e regras secundárias
Texto: “Claro que é verdade que existem regras de muitos tipos diferentes, não só no sentido óbvio de que, ao lado das regras jurídicas, há regras de etiqueta e de linguagem, regras de jogos e clubes, mas no sentido menos óbvio de que, mesmo dentro de qualquer destas esferas, as realidades que se chamam regras podem surgir de modos diferentes e podem ter relações muito diferentes com a conduta a que dizem respeito. Assim, mesmo dentro do direito, algumas regras são estabelecidas através de legislação; outras não são feitas por nenhum ato intencional. Mais importante  do que isso: algumas regras são imperativas no sentido de que exigem que as pessoas se comportem de certas maneiras, por exemplo, se abstenham de violências ou paguem impostos, quer o desejem fazer, quer não; outras regras, como as que prescrevem os procedimentos, formalidades e condições para celebração de casamentos, testamentos ou contratos, indicam o que as pessoas devem fazer para efetivarem os seus desejos. O mesmo contraste entre estes dois tipos de regras pode também ver-se entre aquelas regras de um jogo que proíbem certos tipos de conduta, sob cominação de um castigo (jogo contrário às regras ou insultos ao árbitro) e aquelas que estabelecem o que deve fazer-se para marcar pontos ou para ganhar. Mas mesmo se não atendermos por ora a esta complexidade e consideramos apenas a primeira espécie de regra (que é típica do direito criminal) encontraremos, mesmo entre autores contemporâneos, a maior divergência de pontos de vista quanto ao significado da asserção de que existe uma regra deste tipo imperativo simples. Na verdade, alguns acham a descrição totalmente misteriosa” (Hart, O Conceito de Direito, p, 13)
- O direito é entendido para Hart a partir da teoria da linguagem, a partir de regras da linguagem. Essas regras não se confundem com as normas jurídicas.
- Em uma sociedade simples a grande maioria das regras são regras primárias. Essas regras primárias tratam de restrições ao uso livre da violência, ao furto, à fraude, buscando uma boa convivência entre os membros daquela sociedade. Nesse tipo de sociedade com regras primárias, a violação as regras tem de ser exceção, para que possa funcionar. Essas regras primárias geralmente não são oficiais (ou seja, não são feitas pelo Estado).
-Porém, somente as regras primárias não há como se estabelecer um direito em uma sociedade complexa, pois ocorrem alguns problemas. Hart identifica 3 problemas e a eles dá soluções. A-1) O primeiro problema é que somente as normas primárias não foram um sistema, mas somente um conjunto de padrões separados, surgindo dúvidas sobre sua aplicação, ou seja, incerteza; B-1) as regras primárias possuem um caráter estático, ou seja, são difíceis de serem alteradas; C-1) nesse tipo de sociedade há uma ineficácia da pressão social difusa  ela qual se mantém as regras, ou seja, não há uma autoridade certa para exigi-las.
- Para resolver cada um desses problemas, Hart cria regras secundárias.  “Enquanto as regras primárias dizem respeito às ações que os indivíduos devem ou não devem fazer, estas regras secundárias respeitam todas as próprias regras primárias. Especificam os modos pelos quais as regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas, eliminadas e alteradas, bem como o fato de que a respectiva violação seja determinada de forma indubitável” (Hart, O conceito de direito, p, 104)
- Regras secundárias para resolver os problemas das regras primárias:
A-2) Regra de reconhecimento, que busca resolver o problema da incerteza das normas primárias “Esta especificará algum aspecto ou aspectos cuja existência uma dada regra é tomada como uma indicação afirmativa e concludente de que é uma regra do grupo que deve ser apoiada pela pressão social que ele exerce” (p.104)
B-2)Regra de alteração, que busca resolver o problema da estática do regime de regras primárias. “A forma mais simples de tal regra é a que confere poder a um indivíduo ou a um corpo de indivíduos para introduzir novas regras primárias ara a conduta da vida do grupo, ou de certa classe dentro dele, e para eliminar regras antigas” (p, 105)
C-2) Regra de julgamento, que busca resolver o problema da ineficácia da pressão social difusa. “Consiste em regras secundárias que dão poder ao indivíduos para proferir determinações dotadas de autoridades respeitantes à questão sobre se, numa ocasião concreta, foi violada uma norma primária” (p.106)

*Regra de reconhecimento e a validade
- Enquanto para Kelsen a questão da validade era dada pelo Estado, pois era este que positivava as leis, e para Austin era dada pelo soberano, uma vez que o Direito era um direito do governo; em Hart a questão da validade está dentro do direito. Sua explicação é interna e não externa.
- A regra de reconhecimento em Hart é uma prática social presumida, que impede o retrocesso ao infinito para identificar uma norma. (Para Wittgenstein as regras são aceitas como um dado e é isso que faz Hart, por isso esse conceito no jusfilósofo não é muito desenvolvido)
-A regra de reconhecimento é uma regras secundária que determina se uma regra primária é ou não valida para uma sociedade. Assim, Hart não precisa recorrer ao Estado ou mesmo ao soberano para saber se uma regra é válida ou não. 
-A regra de reconhecimento é uma regra que determina o que vale como direito.
- A regra de reconhecimento é a primeira regra ou regra suprema na hierarquia das regras. Porém, é diferente da Grundnorm ou norma fundamental de Kelsen, pois para Hart a regra de reconhecimento não é uma hipótese, mas ela existe e pode ser reconhecida pelas autoridades.
Texto: “Onde quer que uma tal regra de reconhecimento seja aceita, tanto os cidadãos particulares como as autoridades dispõem de critérios dotados de autoridade para identificar as regras primárias de obrigação. Os critérios deste modo disponíveis podem, como vimos, tomar uma ou mais formas diversas: estas incluem a referência a um texto dotado de autoridade; ao ato legislativo; à prática consuetudinária, às declarações gerais de pessoas de determinadas ou a decisões judiciais passadas, proferidas em casos concretos. Num sistema muito simples, como o de Rex I, descrito no Capítulo IV, em que apenas o que ele estatui é direito e não são impostas quaisquer limitações jurídicas ao seu poder legislativo, por qualquer regra consuetudinária ou documento constitucional, o único critério para identificar o direito será uma simples referência ao fato da promulgação por Rex I. A existência desta forma  simples de reconhecimento manifestar-se-á na prática geral, por parte dos funcionários ou dos particulares, de identificar a regras por este critério. Num moderno sistema jurídico, em que existe uma variedade de fontes de direito, a regra de reconhecimento é correspondente mais complexa: os critérios para identificar o direito são múltiplos e comumente incluem uma constituição escrita a aprovação por uma assembleia legislativa e precedentes judiciais. Na maior parte dos casos, estabelece-se uma resolução para conflitos possíveis, através da ordenação detes critérios numa hierarquia de subordinação e primazia relativas. É assim que no nosso sistema a “common law”, está subordinada à lei parlamentar” (Hart, O conceito de Direito, p, 112)

Filosofia do Direito- Aula 7



- H. L. A. Hart  foi advogado na Alta corte de justiça inglesa e professor de Filosofia do Direito em Oxford na década de 50
- Sua obra é influenciada pela de Wittgenstein, que trata de filosofia da linguagem. Para Wittgenstein a linguagem não é controlada pela realidade, mas ela constrói a realidade social, por isso se torna decisiva a análise da linguagem, ou seja, é importante entender os usos e significados das palavras. Aprender a linguagem significa aprender os diversos jogos de linguagem nos quais uso as palavras e as uso de diversas maneiras.
- Sobre essa influência, Hart entende que pode aclarar os conceitos relativos ao direito e é isso que sua filosofia do direito pretende. Busca do verdadeiro significado das palavras. A filosofia do Direito de Hart é uma filosofia baseada na filosofia linguística, que na época era adotada em Oxford.
- Hart tem como uma de suas principais obra- O conceito do Direito

Texto: “Foi meu desígnio neste livro aprofundar a compreensão do direito, da coerção e da moral como fenômenos sociais diferentes mas relacionados. Embora seja primariamente destinado aos estudantes de direito, espero que possa também servir àqueles cujos principais interesses recaem na filosofia moral ou política, ou na sociologia, mais do que no direito. O jurista considerará o livro como um ensaio sobre teoria jurídica analítica, porque diz respeito à clarificação do quadro geral do pensamento jurídico, em vez de respeitar à crítica do direito ou da política legislativa. Assim, considerei como ‘ser obrigado’ diferente de ‘ter obrigação’, como a afirmação de que uma regra é uma regra válida de direito difere de uma predição sobre o comportamento de funcionários; aquilo que se quer significa como a afirmação de que um grupo social observa uma regra e como tal difere da asserção e se assemelha a ela de que seus  membros fazem habitualmente certas coisas. Na verdade, um dos temas centrais do livro é o de que nem o direito, nem qualquer outra forma de estrutura social podem ser compreendidos, sem uma apreciação de certas distinções cruciais entre duas espécies diferentes de afirmação a que eu chamei de ‘interna’ e ‘externa’ e que podem ambas ser feitas, sempre que são observadas regras sociais. Não obstante a sua preocupação com a análise , o livro pode ser também encarado como um ensaio de sociologia descritiva, porque a sugestão de que as investigações sobre os significados das palavras apenas lançam luz sobre palavras é falsa. Muitas distinções importantes, que não são imediatamente óbvias, entre tipos de situações ou relações sociais, podem ser mais bem trazidas à luz por um exame dos usos-padrão de expressões relevantes e do modo por que estes dependem de um contexto social, ele próprio deixado frequentemente por afirmar. Neste campo de estudos é particularmente verdade que podemos usar, como disse o prof. J.L.Austin, “uma consciência afiada das palavras para aguçar a nossa percepção dos fenômenos”. Em óbvia medida, estou em dívida com os outro autores; na verdade, muito deste livro denota preocupação com as deficiências de um modelo simples de sistema jurídico, o construído segundo as linhas da teoria imperativa de Austin” (Hart, O Conceito do Direito, prefácio)

Hart e Austin
- Hart inicia seu livro O conceito do direito buscando construir sua filosofia do direito a partir da crítica da obra de Austin.  Para Hart, Austin teria acertado na metodologia do Direito ao adotar o positivismo jurídico. Também compartilha com Austin a busca de uma racionalidade no estudo do direito.
- Hart acaba simplificando um pouco a teoria de Austin e retirando dela apenas pontos que interessam para o desenvolvimento de sua teoria. O que importa para Hart não é a análise da teoria de Austin, mas o que ela fornece de elementos para construir a sua teoria.
-Retomando alguns pontos de Austin para entender a crítica de Hart: Austin entende o direito como comando obediência habitual e sanções/ Para Austin a lei é um comando que obriga a pessoa a seguir uma conduta/ Sua teoria é uma teoria imperativa do direito, que busca racionalizar o Direito/ Austin busca um rigor analítico e separa o estudo do direito da tarefa de identificar seu contexto  na realidade social/ Austin buscou construir uma ciência da legislação, com uma análise conceitual/ há em sua obra uma valorização do rigor intelectual e uma preocupação com a realidade social e política/ Austin se foca no direito positivado como forma de poder político (Direito é governo de fato/ Direito é questão de processo de governo)/ Austin também dá foco ao direito sancionador (direito definido  pela sanção)/ O estudo do Direito  para Austin não é opinião e por isso sua busca de uma racionalidade, que era um caminho para a verdade

- Críticas de Hart à teoria de Austin:
 a) Para Hart, Austin se foca na sanção e na autoridade que o Direito fornece, sem se ater a questão de que pessoas acatam o direito de boa vontade, ou seja, o comando de uma norma não leva ao seu cumprimento pelo medo ou temor, mas também por respeito à autoridade. O que muda para Hart é que em Austin o direito aparece como uma imposição da vontade de um ao outro e Hart entende que pessoas podem se submeter ao direito sem precisar do temor da sanção
Texto: “Devemos, por isso, supor que há uma crença geral da parte daqueles a quem as ordens gerais se aplicam, em que a obediência será provavelmente seguida pela execução da ameaça, não só no momento primeiro da promulgação da ordem, mas continuamente, até que a ordem seja retirada ou revogada. Esta crença continuada nas consequências da desobediência pode dizer-se mantem as ordens originais vivas ou ‘permanentes’, embora haja, como se verá mais tarde, uma certa dificuldade na análise da qualidade persistente das leis nestes termos simples. (...) Qualquer que seja a base desta crença geral na probabilidade da execução das ameaças, devemos distinguir dela mais um aspecto necessários que temos de acrescentar à situação do assaltante, se a queremos aproximar da situação estabelecida em que há direito. Temos de supor que, qualquer que seja o motivo, a maior parte das ordens é mais frequentemente obedecida do que desobedecida pela maior parte dos afetados. Designaremos tal realidade aqui, na esteira de Austin, como “um habito geral de obediência” e notaremos, tal como ele, que como sucede com muitos outros aspectos do direito, é noção essencialmente vaga ou imprecisa” (Hart, O conceito de Direito, p, 29)

b) Para Hart, Austin não explica como é possível normas que não visam punir, como os contratos e  testamentos. O direito não é visto como um instrumento de sanção, mas o de facilitador das relações sociais
Texto: “Se atentarmos nas variadas regras jurídicas que conferem poderes jurídicos aos particulares, chegamos à conclusão de que elas próprias estão agrupadas em diversos tipos. Assim, por detrás do poder de outorgar testamentos ou celebrar contratos, estão regras relativas à capacidade ou qualificação pessoal mínima (tal como a circunstância de ser adulto ou mentalmente são) que aqueles que exercem o poder devem possuir. Outras regras pormenorizam a maneira e a forma pela qual o poder será exercido e decidem sobre a possibilidade de os testamentos ou contratos poderem ser outorgados oralmente ou por escrito e, neste último caso, a sua forma de execução e confirmação por testemunhas. Outras regras delimitam a variedade, ou a duração máxima e mínima, da estrutura de direitos e deveres que os indivíduos podem criar através de tais atos jurídicos” (Hart, O conceito de direito, p, 36)

c) Para Hart, Austin não explica a existência dos costumes, que é um tipo de direito criado de baixo para cima. Austin apenas lida com o direito criado de cima para baixo, ou seja, criado dos governantes para o povo. O tipo de direito de Austin pressupõe um monopólio legislativo estatal e para Hart, isso não explica um direito moderno em que há múltiplas instâncias de criação legislativa.
-Um exemplo de costume ainda utilizado no Brasil como norma seguida é o cheque pré-datado.
- Para um estudo sobre os costumes como direito ver livro de História do Direito:  “Costumes em Comum” de E.P.Thompson, em especial o capítulo do costume da venda de mulheres e o capítulo das Canções de envergonhar (disponível em partes no google books - 
http://books.google.com.br/books/about/Costumes_Em_Comum.html?id=2lY2ikiXwi8C&redir_esc=y

Texto: “A teoria do direito como ordens coercivas encontra à partida a objeção de que há variedades de leis em todos os sistemas que , em três aspectos principais, não se enquadram naquela descrição. Em primeiro lugar, mesmo uma lei criminal, a que mais se lhe aproxima, tem muitas vezes um âmbito de aplicação diferente do de ordens dadas a outros; porque um tal lei pode impor deveres àqueles mesmos que a fazem, tal como a outros. Em segundo lugar, outras leis são distintas de ordens na medida em que não obrigam pessoas a fazer coisas, mas podem conferir-lhes poderes; não impõem deveres antes oferecem dispositivos para a livre criação de direitos e deveres jurídicos dentro da estrutura coercitiva do direito. Em terceiro lugar, embora a promulgação de uma lei seja em alguns aspectos análogo à emissão de uma ordem, certas regras de direitos são originadas pelo costume e não devem o seu estatuto jurídico a qualquer ato consciente de criação” (Hart, O conceito de Direito, p, 57)