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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Filosofia - Aula 3



Aula 3
Excertos de Apologia à Sócrates- Platão

Primeira Parte
Sócrates apresenta a sua defesa
I
O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o
manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido
a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos
foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre
as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu
admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para
não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.
Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam
desmentidos com fatos, quando eu me apresentasse diante de
vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua
maior imprudência se, todavia, denominam "hábil no falar"
aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso,
poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.
Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente
nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em
toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por
certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e
de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas
simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois
estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós
espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta
minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como
um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia,
cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me
defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar
nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes
ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor,
porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de
um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso,
sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse
realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu
falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido
educado; assim também agora vos peço uma coisa que me
parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de
falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois,
considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu
digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do
orador: dizer a verdade.
II
É justo, pois, cidadãos atenienses, que em primeiro lugar,
eu me defenda das primeiras acusações que me foram
apresentadas, e dos primeiros acusadores; depois, me
defenderei das últimas e dos últimos. Porque muitos dos meus
acusadores têm vindo até vós há bastante tempo, talvez anos,
sem jamais dizerem a verdade; a esses eu temo mais do que a
Anito e aos seus companheiros, embora também sejam
temíveis esses últimos. Mais temíveis porém são os primeiros,
ó cidadãos, os quais tomando a maior parte de vós, desde
crianças, vos persuadiam e me acusavam falsamente, dizendovos
que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das
coisas celestes e investigador das subterrâneas, e que torna
mais forte a razão mais fraca. Esses, cidadãos atenienses, que
divulgaram tais coisas, são os acusadores que eu temo; pois
aqueles que os escutam julgam que os investigadores de tais
coisas não acreditam nem mesmo nos Deuses. Esses
acusadores são muitos e me acusam há muito tempo; e, além
disso, vos falavam naquela idade em que mais facilmente
podíeis dar crédito, quando éreis crianças e alguns de vós ainda
muito jovens, acusando-me com pertinaz tenacidade, sem que ninguém me defendesse. E o que é mais absurdo é que não se
pode saber nem dizer os seus nomes, exceto, talvez, algum
comediógrafo.
Por isso, quantos, por inveja ou calúnia, vos persuadiam, e
os que, convencidos, procuravam persuadir a outros, são todos,
por assim dizer, inabordáveis; porque não é possível fazê-los
comparecer aqui, nem refutar nenhum deles, mas devo eu
mesmo me defender, quase combatendo com sombras, sem
que ninguém me responda.
Admiti, também vós, como eu digo, que os meus
acusadores são de duas espécies: uns, que me acusaram
recentemente, outros, há muito, e dos quais estou falando, e
convinde que devo me defender primeiramente destes, porque
também vós os ouvistes acusar-me em primeiro lugar e
durante muito mais tempo que estes outros últimos.
Então, cidadãos atenienses, devo defender-me e procurar
remover de vossa mente, em tão rápida hora, a má opinião
acolhida por vós durante tanto tempo. Eu desejaria consegui-lo,
e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me,
obtivesse algum proveito; mas vejo a coisa difícil, e bem
percebo por quê. De resto, seja como Deus quiser: agora é
preciso obedecer à lei, e me defender.
III
Prossigamos, pois, e vejamos, de início, qual é a acusação,
de onde nasce a calúnia contra mim, baseado neste processo
que Meleto me moveu.
Ora bem, o que diziam os caluniadores ao caluniar-me? É
necessário ler a ata da acusação jurada por esses acusadores:
Sócrates comete crime e perde a sua obra, investigando as
coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão
mais débil, e ensinando isso aos outros. Eis, mais ou menos, a
acusação: e isso já vistes, na comédia de Aristófanes, onde
aparece, aqui e ali, um Sócrates que diz caminhar pelos ares e
exibe muitas outras tolices, das quais não entendo nem muito,
nem pouco. E não digo isso por desprezar tal ciência, se é que
há alguma sabedoria nela, mas o fato é, cidadãos atenienses,
que de maneira alguma me ocupo de semelhantes coisas, e
apresento as testemunhas: vós mesmos, e peço que vos
informeis reciprocamente, e mutuamente vos interrogueis
quantos de vós me ouviram discursar algum dia, e muitos
dentre vós sois desses, perguntai-vos uns aos outros se alguém alguma vez me ouviu falar, ou muito, ou pouco, sobre tais
assuntos, e então reconhecereis que tais são, do mesmo modo,
as outras mentiras que dizem de mim.
IV
Na realidade, nada disso é verdadeiro e, se tendes ouvido
de alguém que instruo e ganho dinheiro com isso, não é
verdade. Embora, em realidade, isso me pareça bela coisa: que
alguém seja capaz de instruir os homens, como Górgias
Leontino, Pródico de Coo, e Hípias de Élide. Porquanto, cada
um desses, ó cidadãos, passando de cidade em cidade, é capaz
de persuadir os jovens, os quais poderiam conversar
gratuitamente com todos os cidadãos que quisessem, é capaz
de persuadir a estar com eles, deixando as outras
conversações.
Mas aqui há outro erudito de Paros, o qual eu soube que
veio para junto de nós, porque encontrei por acaso um que
despendeu com os sofistas mais dinheiro que todos os outros
juntos, Cálias de Hipônico. Tem dois filhos e eu o interroguei:
— Cálias, se os teus filhinhos fossem potrinhos ou
bezerros, deveríamos escolher e pagar para eles um guardião,
o qual os deveria aperfeiçoar nas suas qualidades inerentes:
seria uma pessoa que entendesse de cavalos e de pecuária.
Mas, como são homens, qual é o mestre que deves tomar para
eles? Qual é o que sabe ensinar tais virtudes, a humana e a
civil? Creio bem que tens pensado nisso uma vez que tens dois
filhos. Haverá alguém ou não?
— Certamente!
E eu perguntei:
— Quem é, de onde é, e por quanto ensina?
— Eveno, de Paros, por cinco minas.
E eu suponho Eveno muito feliz se verdadeiramente possui
essa arte e a ensina com tal garbo. Mas o que é certo é que
também eu me sentiria altivo e orgulhoso, se soubesse tais
coisas; entretanto, o fato é, cidadãos atenienses, que eu não
sei.
V
Alguns de vós poderiam talvez se opor a mim:
— Mas Sócrates, o que é que fazes? De onde nasceram tais
calunias? Se não tivesses te ocupado em alguma coisa tão
diversa das coisas que os outros fazem, na verdade não terias ganho tal fama, e não teriam nascido estas acusações contra ti.
Dize, pois, o que é isso, a fim de que não te julguem a esmo.
Quem assim fala, parece-me que fala justamente, e eu
procurarei demonstrar-vos que jamais foi essa a causa de tal
fama e de tal calúnia. Ouvi-me. Talvez possa parecer a algum
de vós que eu esteja gracejando; entretanto, sabei-o bem, eu
vos direi toda a verdade. Porque eu, cidadãos atenienses, se
conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que sabedoria
é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria
humana. É, em realidade, arriscado ser sábio nela: mas
aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de
uma sabedoria mais que humana, ou não sei o que dizer,
porque certo não a conheço. Não façais rumor, cidadãos
atenienses, não fiqueis contra mim, ainda que vos pareça que
eu diga qualquer coisa absurda: pois que não é meu o discurso
que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é digno de
vossa confiança. Apresento-vos, de fato, o Deus de Delfos
como testemunha de minha sabedoria, se eu a tivesse, e
qualquer que fosse. Conheceis bem Querofonte. Era meu amigo
desde jovem, também amigo do vosso partido democrático, e
participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis
também como era Querofonte, veemente em tudo aquilo que
empreendesse. Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou
interrogar o Oráculo a respeito disso e – não façais rumor, por
isso que digo – perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais
sábio do que eu. Ora, a Pitonisa respondeu que não havia
ninguém mais sábio. E a testemunha disso é teu irmão, que
aqui está.
VI
Considerai bem a razão por que digo isso: estou para
demonstra-vos de onde nasceu a calúnia. Em verdade, ouvindo
isso, pensei: que queria dizer o Deus e qual é o sentido de suas
palavras obscuras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem
pouco: o que quer dizer, pois, afirmando que sou o mais sábio?
Certo não mente, não é possível. E fiquei por muito tempo em
dúvida sobre o que pudesse dizer; depois de grande fadiga
resolvi buscar a significação do seguinte modo: Fui a um
daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar,
por meio dele, sem dúvida, o Oráculo, e, com tais provas, oporlhe
a minha resposta: Este é mais sábio que eu, enquanto tu
dizias que eu sou o mais sábio. Examinando esse tal – não importa o nome, mas era, cidadãos atenienses, um dos
políticos, este de quem eu experimentava essa impressão – e
falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio
a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era
sábio. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser.
Daí me veio o ódio dele e de muitos dos presentes. Então, pus-me
a considerar, de mim para mim, que eu sou mais sábio do
que esse homem, pois que, ao contrário, nenhum de nós sabe
nada de belo e bom, mas aquele homem acredita saber alguma
coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também
estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio
do que ele, nisso ainda que seja pouca coisa: não acredito
saber aquilo que não sei. Depois desse, fui a outro daqueles
que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que
todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio também deste e de
muitos outros.

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