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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Filosofia - Aula 6



Aula 6
Excertos do Príncipe – Maquiavel


CAPÍTULO V
DE QUE MODO SE DEVAM GOVERNAR AS CIDADES OU
PRINCIPADOS QUE, ANTES DE SEREM OCUPADOS, VIVIAM COM
AS SUAS PRÓPRIAS LEIS
(QUOMODO ADMINISTRANDAE SUNT CIVITATES VEL PRINCIPATUS, QUI ANTEQUAM
OCCUPARENTUR, SUIS LEGIBUS VIVEBANT)
Quando aqueles Estados que se conquistam, como foi dito, estão habituados a viver com suas próprias
leis e em liberdade, existem três modos de conservá-los: o primeiro, arruiná-los; o outro, ir habitá-los
pessoalmente; o terceiro, deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criando em seu interior
um governo de poucos, que se conservam amigos, porque, sendo esse governo criado por aquele
príncipe, sabe que não pode permanecer sem sua amizade e seu poder, e há que fazer tudo por
conservá-los. Querendo preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer
outro modo se a conserva por intermédio de seus cidadãos.
Como exemplos, existem os espartanos e os romanos. Os espartanos conservaram Atenas e Tebas, nelas
criando um governo de poucos; todavia, perderam-nas. Os romanos, para manterem Cápua, Cartago e
Numância, destruíram-nas e não as perderam; quiseram conservar a Grécia quase como o fizeram os
espartanos, tornando-a livre e deixando-lhe suas próprias leis e não o conseguiram: em razão disso, para
conservá-la, foram obrigados a destruir muitas cidades daquela província.
É que, em verdade, não existe modo seguro para conservar tais conquistas, senão a destruição. E quem se
torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrua, espere ser destruído por ela, porque
a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o nome da liberdade e o de suas antigas
instituições, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos. Por quanto se
faça e se proveja, se não se dissolvem ou desagregam os habitantes, eles não esquecem aquele nome nem
aquelas instituições, e logo, a cada incidente, a eles recorrem como fez Pisa cem anos após estar
submetida aos florentinos.
Mas quando as cidades ou as províncias estão acostumadas a viver sob um príncipe, extinta a dinastia, sendo de um lado afeitas a obedecer e de outro não tendo o príncipe antigo, dificilmente chegam a acordo
para escolha de um outro príncipe, não sabem, enfim, viver em liberdade: dessa forma, são mais lerdas
para tomar das armas e, com maior facilidade, pode um príncipe vencê-las e delas apoderar-se. Contudo,
nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança; não deixam nem podem deixar
esmaecer a lembrança da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou habitá-las
pessoalmente.

CAPÍTULO XV
DAQUELAS COISAS PELAS QUAIS OS HOMENS, E
ESPECIALMENTE OS PRÍNCIPES, SÃO LOUVADOS OU
VITUPERADOS
(DE HIS REBUS QUIBUS HOMINES, ET PRAESERTIM PRINCIPES, LAUDANTUR AUT
VITUPERANTUR)
Resta ver agora quais devam ser os modos e o proceder de um príncipe para com os súditos e os amigos
e, por que sei que muitos já escreveram a respeito, duvido não ser considerado presunçoso escrevendo
ainda sobre o mesmo assunto, máxime quando irei disputar essa matéria à orientação já por outros dada
aos príncipes. Mas, sendo minha intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse,
pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos e não à imaginação dos mesmos,
pois muitos conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou conhecidos como tendo realmente
existido. Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que
abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o
de sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade,
perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter,
aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade.
Deixando de parte, assim, os assuntos relativos a um príncipe imaginário e falando daqueles que são
verdadeiros, digo que todos os homens, máxime os príncipes por situados em posição mais preeminente,
quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que lhes acarretam ou reprovação ou
louvor. Assim é que alguns são havidos como liberais, alguns miseráveis (usando um termo toscano,
porque "avaro" em nossa língua é ainda aquele que deseja possuir por rapina, enquanto "miserável"
chamamos aquele que se abstém em excesso de usar o que possui); alguns são tidos como pródigos,
alguns rapaces; alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago, o outro fiel; um efeminado e pusilânime, o
outro feroz e animoso; um humano, o outro soberbo; um lascivo, o outro casto; um simples, o outro
astuto; um duro, o outro fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por
diante. Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encontrarem-se em um príncipe, de todos os
atributos acima referidos, apenas aqueles que são considerados bons; mas, desde que não os podem
possuir nem inteiramente observá-los em razão das contingências humanas não o permitirem, é
necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o
poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não
podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. Ainda, não evite o
príncipe de incorrer na má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado; pois,
se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada
acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao
bem-estar.
CAPÍTULO XVII
DA CRUELDADE E DA PIEDADE; SE É MELHOR SER AMADO QUE
TEMIDO, OU ANTES TEMIDO QUE AMADO
(DE CRUDELITATE ET PIETATE; ET AN SIT MELIUS AMARI QUAM TIMERI, VEL E
CONTRA)
Reportando-me às outras qualidades já referidas, digo que cada príncipe deve desejar ser tido como
piedoso e não como cruel: não obstante isso, deve ter o cuidado de não usar mal essa piedade. César
Bórgia era considerado cruel; entretanto, essa sua crueldade tinha recuperado a Romanha, logrando
uní-la e pô-la em paz e em lealdade. O que, se bem considerado for, mostrará ter sido ele muito mais
piedoso do que o povo florentino, o qual, para fugir à pecha de cruel, deixou que Pistóia fosse destruída.
Um príncipe não deve, pois, temer a má fama de cruel, desde que por ela mantenha seus súditos unidos e
leais, pois que, com mui poucos exemplos, ele será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva
piedade, deixam acontecer as desordens das quais resultam assassínios ou rapinagens: porque estes
costumam prejudicar a comunidade inteira, enquanto aquelas execuções que emanam do príncipe
atingem apenas um indivíduo. E, dentre todos os príncipes, é ao novo que se torna impossível fugir à
pecha de cruel, visto serem os Estados novos cheios de perigos. Diz Virgílio, pela boca de Dido:
Res dura,et regni novitas me talia cogunt
moliri, et late fines custode tueri.
O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma
equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a
demasiada desconfiança o faça intolerável.
Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria
necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito
mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são
ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem,
são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a
necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou
inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as
amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com
elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. E os homens têm
menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a
amizade é mantida por um vínculo de obrigação que, por serem os homens maus, é quebrado em cada
oportunidade que a eles convenha; mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona.
Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio,
mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que
se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando
necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa
manifesta. Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente
a morte do pai do que a perda do patrimônio. Além disso, nunca faltam motivos para justificar as
expropriações, e aquele que começa a viver de rapinagem sempre encontra razões para apossar-se dos
bens alheios, ao passo que as razões para o derramamento de sangue são mais raras e esgotam-se mais
depressa.
Mas quando o príncipe está à frente de seus exércitos e tem sob seu comando uma multidão de soldados,
então é de todo necessário não se importar com a fama de cruel, eis que, sem ela, jamais se conservará
exército unido e disposto a alguma empresa. Dentre as admiráveis ações de Aníbal, menciona-se esta:
tendo um exército imenso, constituído de homens de inúmeras raças, conduzido a batalhar em terras
alheias, nunca surgiu qualquer dissensão entre eles ou contra o príncipe, tanto na má como na boa
fortuna. Isso não pode resultar de outra coisa senão daquela sua desumana crueldade que, aliada às suas
infinitas virtudes, o tornou sempre venerado e terrível no conceito de seus soldados; sem aquela
crueldade, as virtudes não lhe teriam bastado para surtir tal efeito e, todavia, escritores nisto pouco
ponderados, admiram, de um lado, essa sua atuação e, de outro, condenam a principal causa da mesma.
Para prova de que, realmente, as outras suas virtudes não seriam bastantes, pode-se considerar o caso de
Cipião, homem dos mais notáveis não somente nos seus tempos mas também na memória de todos os
fatos conhecidos, cujos exércitos se revoltaram na Espanha em conseqüência de sua excessiva piedade,
pois que havia concedido aos seus soldados mais liberdades do que convinha à disciplina militar. Tal fato
foi-lhe censurado no Senado por Fábio Máximo, o qual chamou-o de corruptor da milícia romana. Os
locrenses, tendo sido arruinados e abatidos por um legado de Cipião, não foram por ele vingados, nem a
insolência daquele legado foi reprimida, resultando tudo isso de sua natureza fácil; tanto assim que,
querendo alguém desculpá-lo perante o Senado, disse haver muitos homens que melhor sabiam não errar
do que corrigir os erros. Essa sua natureza teria com o tempo sacrificado a fama e a glória de Cipião,
tivesse ele perseverado no comando; mas, vivendo sob o governo do Senado, esta sua prejudicial
qualidade não só desapareceu, como lhe resultou em glória.
Concluo, pois, voltando à questão de ser temido e amado, que um príncipe sábio, amando os homens
como a eles agrada e sendo por eles temido como deseja, deve apoiar-se naquilo que é seu e não no que é
dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio, como foi dito.

CAPÍTULO XXIV
POR QUE OS PRÍNCIPES DA ITÁLIA PERDERAM SEUS ESTADOS
(CUR ITALIAE PRINCIPES REGNUM AMISERUNT)
As coisas já referidas, observadas prudentemente, fazem um príncipe novo parecer antigo e logo o
tornam mais seguro e mais firme no Estado do que se aí fosse um príncipe antigo. Porque um príncipe
novo é muito mais observado nas suas ações do que um hereditário; e, quando estas são reconhecidas
como virtuosas, atraem mais fortemente os homens e os ligam a si muito mais que a tradição do sangue.
Porque os homens são levados muito mais pelas coisas presentes do que pelas passadas e, quando nas
presentes encontram o bem, ficam satisfeitos e nada mais procuram. Antes, assumirão toda sua defesa,
desde que não falte à palavra nas outras coisas. Assim, terá a dupla glória de ter dado início a um
principado novo e de tê-lo ornado e fortalecido com boas leis, boas armas e bons exemplos; por outro
lado, aquele que, tendo nascido príncipe, veio a perder o Estado por sua pouca prudência, terá duplicada
a sua vergonha.
E, se se consideraram aqueles senhores que, na Itália, perderam seus Estados nos nossos tempos, como o
rei de Nápoles, o duque de Milão e outros, achar-se-á neles, primeiro um defeito comum quanto às
armas, pelas razões que já foram expostas; depois, ver-se-á que alguns deles, ou tiveram a inimizade do
povo, ou, tendo o povo por amigo, não souberam garantir-se contra os grandes, eis que sem estes defeitos
não se perdem os Estados que tenham tanta força que possam levar a campo um exército. Felipe da
Macedônia, não o pai de Alexandre, mas o que foi vencido por Tito Quinto, tinha um Estado não muito
extenso, em comparação com a grandeza dos romanos e da Grécia que o assaltaram; não obstante, por ser
homem de espírito militar, que sabia ter o povo como amigo e garantir-se contra os grandes, sustentou
por muitos anos a guerra contra aqueles; e se, afinal, perdeu o domínio de algumas cidades, restou-lhe
todavia o reino.
Portanto, estes nossos príncipes que tinham permanecido muitos anos em seus principados para depois
perdê-los, não podem acusar a sorte, mas sim a sua própria ignávia, pois, não tendo nunca, nos tempos
pacíficos, pensado que estes poderiam mudar (o que é defeito comum dos homens na bonança não se
preocupar com a tempestade) quando chegaram os tempos adversos preocuparam-se em fugir e não em
defender-se, esperando que as populações, cansadas da insolência dos vencedores, os chamassem de
volta. Esse partido é bom quando os outros falham, mas é muito mau o ter abandonado os outros
remédios por esse, pois não irás cair apenas por acreditar encontrar quem te levante; isso não acontece
ou, se acontecer, não será para tua segurança, dado que aquela defesa torna-se vil se não depender de ti.
As defesas somente são boas, certas e duradouras quando dependem de ti próprio e da tua virtude.

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