Crítica de Dworkin ao conceito de
regra de reconhecimento de Hart
-Uma das
grandes críticas de Dworkin da teoria de
Hart recai sobre o conceito de “regra de
reconhecimento” de Hart, que é aquela que busca identificar o que é direito.
Para Hart é a regra de reconhecimento que valida as regras primárias, que são
regras que tem em seu conteúdo matéria jurídica.
- Para
Dworkin o teste de reconhecimento não serve para reconhecer o direito válido,
em especial nos sistemas jurídicos complexos, como os dos EUA e
Inglaterra. Dworkin dá um exemplo do problema. Ex: o princípio de que
um homem não pode se beneficiar de seus próprios delitos, não podem ser
apreendidos por uma regra de reconhecimento simples.
*Discricionariedade do juiz
-Dworkin
afirma que os juízes não tem um poder discricionário como tem os políticos
quando criam as leis. Assim, há uma diferença de atuação dos juízes e dos
legisladores. Isso ocorre devido ao “Princípio da integridade” e também por sua
diferenciação entre direito e política.
-O juiz
tem um poder discricionário, mas este é limitado, uma vez que não pode decidir
de qualquer modo mesmo quando não há regras jurídicas (normas jurídicas e/ou
precedentes) para aplicar. Para Dworkin não há de se falar que o juiz tem poder
discricionário propriamente dito, ou seja, que pode decidir somente baseado em
suas convicções.
-Dworkin
destaca três concepções de poder discricionário. 1) Poder discricionário em
sentido fraco a- quer dizer que os padrões que a autoridade pública deve
aplicar não são feitos mecanicamente e requerem a capacidade de julgamento Ex:
O tenente ordena ao sargento que levasse em patrulha seus cinco homens mais
experientes, mas não define o que é ser mais experiente, deixando isso para o
sargento. 2)Poder discricionário em sentido fraco b- um funcionário público tem
autoridade para tomar uma decisão em última instância e que esta não pode ser
revista e cancelada por nenhum outro funcionário. 3)Poder discricionário em
sentido forte- o funcionário público deve usar o seu discernimento para aplicar
padrões estabelecidos ou sua decisão não será revista por nenhuma outra
autoridade.
-“O poder
discricionário de um funcionário não significa que ele esteja livre para
decidir sem recorrer a padrões de bom senso e equidade, mas apenas que sua
decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que
temos em mente quanto colocamos a questão do poder discricionário” (DWORKIN, R.
Levando os direitos a sério. P, 53)
-Dworkin
entende que a doutrina do poder discricionário defendido pela teoria
positivista não está correta. Para Dworkin o juiz tem um poder discricionário
fraco e não um poder discricionário no sentido forte. Um positivista que
defende o poder discricionário forte do juiz, não entende que o juiz está
vinculado aos princípios, que regra a conduta dos juízes, tornando o poder
discricionário fraco.
Texto 1:
“O estudo da divergência entre Hart e Dworkin quanto à existência ou não de
discricionariedade do juiz em casos difíceis pode ser mais bem explicitada
apontando-se as três acepções para o termo “discricionariedade”, indicadas por
Dworkin. A primeira é a aplicação, por funcionários, de critérios estabelecidos
por uma autoridade superior, ou mais especificamente, na escolha, pelo juiz,
entre critérios “que um homem razoável poderia interpretar de diferentes
maneiras”. A segunda acepção é a ausência de revisão da decisão tomada por uma
autoridade superior. Essas duas primeiras acepções perfazem, para Dworkin, uma
discricionariedade em sentido fraco, sendo amparadas também por Hart. Apenas a
terceira acepção indica, de acordo com Dworkin, o ponto de discordância. Ela corresponde
à discricionariedade em sentido forte, implicando a ausência de vinculação
legal a padrões previamente determinados ou, em outras palavras, à idéia de que
os padrões existentes não impõem qualquer dever legal sobre o juiz para que
decida de uma determinada forma. Essa terceira acepção estaria por fim ligada
às questões da completude ou incompletude do direito, da natureza legal ou
meramente moral dos princípios, da competência ou incompetência do juiz de
elaborar leis”. (IKAWA, Daniela. HART, DWORKIN E DISCRICIONARIEDADE. Revista
Lua Nova n.61, 2004, p, 98.)
*Direito e política
-Dworkin
reconhece que o desenvolvimento do direito é influenciado pela política, mas
esta é uma força externa que atua através da legislação” (MORRISON, Filosofia
do Direito, p, 511)
-Dworkin
diferencia a atuação por princípios (que é a que o juiz Hercules deve utilizar)
da atuação pela política (que é comum dos legisladores). Os princípios têm como base o respeito ou a
garantia de algum direito individual ou de grupo e tem um caráter distributivo
voltado ao indivíduo. As políticas têm por base a criação ou a proteção de
algum bem coletivo e tem caráter distributivo voltado à comunidade como um
todo.
Política
|
Princípios
|
|
O que
visa
|
Criação
ou proteção de bem coletivo (bem comum)
|
Respeito
e garantia de direito
|
Alcance
|
Para
todos
|
Para o
indivíduo ou grupo de indivíduos
|
Caráter
|
Distributivo
voltado para a comunidade
|
Distributivo
voltado para o indivíduo
|
Atuação
de quem cria
|
O
legislador pode criar o novo
|
O juiz
pode criar, mas tem que ter como base o princípio da integridade do direito
|
Moral
|
Padrões
morais convencionais
|
Padrões
morais jurídicos
|
-A
diferença entre política e princípio é de objetivo, enquanto que a diferença
entre os princípios e as regras é uma diferença lógica (Dworkin, Levando os
direitos a sério , p. 39)
Texto 1: “Denomino ‘política’ aquele tipo
de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em
algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos
objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve
ser protegido contra mudanças adversas). Denomino ‘princípio’ um padrão que
deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica,
política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça
ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. Assim, o padrão que estabelece
que os acidentes automobilísticos devem ser reduzidos é uma política e o padrão
segundo o qual nenhum homem deve beneficiar-se de seus próprios delitos é um
princípio” (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. P, 36)
Texto 2:
“Quando Oliver Wendell Holmes era juiz da Suprema Corte, certa vez ele
deu carona ao jovem Learned Hand, quando ia para o trabalho. Ao chegar a seu
destino, Hand saltou, acenou para a carruagem que se afastava e gritou
alegremente “Faça justiça, juiz!” Holmes pediu para o condutor que parasse e
voltasse, para a surpresa de Hand. “Não é esse o meu trabalho!”, disse Holmes,
debruçado na janela. A carruagem então fez meia-volta e partiu, levando Holmes
para o trabalho, que supostamente, não consistia em fazer justiça. Como as
convicções morais de um juiz devem influenciar seus julgamentos acerca do que é
o direito?” (DWORKIN, Ronald. A justiça de toga, p. 3)
*Direito e moral
-Dworkin
defende que Direito e Moral não estão separados. Para unir Direito e Moral, o
autor, se vale do conceito de “Princípio da integridade do direito”. Dworkin
entende o direito como atividade interpretativa e nessa interpretação devem ser
levados em consideração padrões morais. Porém, Dworkin não fala de padrões
morais consensuais para o direito, pois para o direito há de se usar padrões
morais jurídicos.
-Esta
posição é diferente da apresentada por Hart, uma vez que para ele a Moral pode
fazer parte do direito, uma vez que ambas são regras sociais. Porém, para que
regras sociais morais sejam consideradas como Direito, estas tem de se submeter
e passar pela “regra do reconhecimento” que irá dar validade .
Texto 1:
“Porém, Hart não se contenta apenas em explicar o direito mostrando como ele
incorpora os juízos morais do homem comum. Considera esse tipo de análise como
uma preliminar necessária para a avaliação crítica tanto do direito como da
moralidade popular sobre a qual ele se assenta. Enquanto não tivermos clareza
sobre que juízo ou prática moral o direito reflete, não poderemos criticá-lo de
forma inteligente. Contudo, assim que tivermos essa clareza, restará ainda
perguntar se essa prática ou juízo é sensato, bem fundado ou coerente com
outros princípios que o direito alega servir” (DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. P, 13.
Texto 2: “Dworkin
apregoa a existência de princípios morais vinculantes, que devem ser levados em
consideração no momento da decisão do juiz, não de forma arbitrária, mas que
devem ser buscados de forma construtiva, através do apoio institucional
conferido a esse princípio, da busca do histórico político-institucional das
decisões passadas e se elas se coadunam com os
princípios morais da comunidade no momento do julgamento. Hart, por
outro lado, leva em consideração apenas a moral convencional como formadora da
regra social, deixando de lado a concorrencial, que não é fruto do consenso,
levando em consideração apenas a aceitação de uma parte dos deveres a serem
assumidos pelo juiz. Ou seja, dentro de sua regra de reconhecimento, apenas uma
parte da moral é considerada pelo autor, aquela formulada pelo consenso.
Ademais, ainda que busque princípios morais para o julgamento (apenas aqueles
considerados jurídicos), o juiz ainda possui o poder discricionário de
invocá-los ou não, bem como de escolher aqueles que considera mais relevantes,
de acordo com sua consciência, e não através de uma moral objetiva que o
vincule como uma obrigação jurídica. O poder discricionário dos juízes ao
interpretar o direito e decidir os casos.
O poder discricionário dos juízes ao interpretar o direito e decidir os
casos difíceis é o principal ponto de divergência entre os autores, em função
das distintas concepções que possuem a respeito da moral no Direito. Hart
refuta a possibilidade de valores morais objetivos vinculantes ou que os juízes
tenham uma obrigação jurídica (advinda desses
direitos morais) de julgar um caso de uma determinada forma, a fim de se
chegar a uma resposta correta, como defende Dworkin. O jurista inglês defende
que o juiz tem o poder de criar o direito como um legislador prudente, que leve
em consideração os precedentes como guia, a analogia como maneira de garantir
uma espécie de analogia e que não realiza transformações radicais, com base em
padrões e valores morais presentes na regra de reconhecimento que não o vinculam
juridicamente, podendo deles dispor da maneira que julgar mais correta” .
(MAGALHÃES, Breno Baía. A concepção de direito em Hart e Dworkin: análise do
atual estágio da discussão entre os autores e impactos na jurisprudência
nacional, P.81)
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